A jornada
Quando cheguei em Paraty, uma das primeiras pessoas que ouvi falar foi no Zé Ferreira. Foi em uma visita ao Alambique da Maria Isabel que fiquei sabendo que ele era um mestre em Agrofloresta e, que a estava ajudando a recuperar o solo das plantações de cana através deste processo lindo.
Uma breve explicação sobre agrofloresta:
Agrofloresta é um sistema ancestral e natural, onde é plantado uma variedade de plantas e árvores, e o solo é protegido por uma cobertura de vegetação.
Neste tipo de manejo, devido à variedade da vegetação, há um fornecimento natural de nutrientes para o solo, afastando as pragas e doenças e, deixando os alimentos mais fortes e nutritivos. Ou seja, a própria floresta cuida para que haja um equilíbrio, assim como já vem fazendo desde o início de sua existência.
Hoje este sistema é mais do que uma forma de agricultura, ele também é usado como para resgatar os solos que estão doentes e com falta de nutrientes devido à agricultura tradicional.
Desde então tentei marcar uma visita com o Zé Ferreira no Sítio São José, seu espaço e casa agroflorestal, mas a vida, sistemática como ela é, só deixa que as coisas aconteçam na hora em que devem acontecer, para que nenhum ponto seja dado sem nó.
Em fevereiro de 2019 me mudei para Paraty e iniciei um projeto fixo aqui (conto direitinho em um próximo post), e finalmente 1 mês depois, conseguimos coordenar as agendas para que eu pudesse conhecer essa tão famosa agrofloresta.
Neste meio tempo fui conhecendo algumas pessoas na cidade, projetos envolvidos em sustentabilidade, permacultura e comunidade. O que pude aprender rapidamente foi que o tal Zé Ferreira era um cara conhecido e querido por todos, e que para chegar até o paraíso é preciso uma certa dose de sacrifício, me falaram para preparar os pés e pernas para a trilha que vinha pela frente.
Eu sou uma pessoa desorganizada, confesso, mas isso também me fez aprender a me virar nos 30, arrumar minha bagunça e aceitar as condições que criei.
Marcamos a visita uma semana antes, mas claro, deixei para ver se dava para ir de ônibus no último dia antes de ir, descobri que dava, vi o horário pela internet, acordei, fiz yoga, meditei e descobri que preciso readequar o meu horário com a minha rotina, pois claro, perdi o ônibus. O Zé, atencioso e paciente como é, me indicou para pegar um outro ônibus que iria parar na rodovia e eu teria que caminhar até a entrada da trilha.
Toda preparada, com mochila nas costas, bota de trilha e meu contado dinheirinho para o ônibus, R$ 5,00 para ir e R$ 5,00 para voltar, fui até o ponto, e ao entrar no ônibus descubro que ele estava R$ 1,50 mais caro do que o dinheiro que eu tinha no bolso. Eu, ainda inexperiente nessa vida de viajante e de cara de pau, já fui arquitetando mil planos para conseguir juntar o dinheiro para a volta.
Aviso o motorista que preciso parar no meio da estrada, mas claro, ele passa a entrada, e graças ao bom gps do celular eu percebo, dou um grito e só ganhei mais 5 minutos de caminha! Entro então no Sertão de Taquari, aqui e no litoral Norte de São Paulo, sertão é o outro lado da rodovia, onde não há praia, mas o que não falta são árvores e cachoeiras.
Quando você ouve que vai em uma agrofloresta no sertão entre duas cidades principais, não imagina que na única avenida vai encontrar pizzaria, bicicletária, academia, costureira, e até doceria, mas sim, é isso que você irá encontrar ali, além de muitas casinhas e bares que atendem o pessoal que vai até o rio e a cachoeira que corre ao lado da avenida.
Foi uma caminhada de 30 minutos (eu altamente indico pegar o ônibus certo! rsrs, essa caminhada no asfalto quente é desnecessária se você pegar o ônibus Sertão de Taquari), era agradável ver o rio começando a se mostrar ao lado, enquanto os cachorros e a vizinhança tocavam a sua vida cotidiana. Cheguei até a Ponte do Arame e vi a primeira indicação para a trilha, cheguei ao outro lado do rio e comecei a minha jornada.
A trilha até o Sítio São José é extremamente agradável, acompanha todo o rio, e você consegue fazer várias paradas para se banhar, e no caminho ainda pega alguns fios de água no meio da trilha, onde dá para se refrescar e beber uma água pura e gelada. O Zé diz que demora 1 hora para chegar, mas confesso que demorei quase 1h30m.
Minha bota, que é de trilha e já foi usada algumas vezes, estava acostumada a trabalhar só na jardinagem, construção e outros trabalhamos que não exigem longas caminhadas, por isso, já logo no início ganhei uma bolha no calcanhar esquerdo que foi dificultando meu estado de espírito, mas tudo era tão lindo, tão verde, tão puro, que consegui deixar este pequeno probleminha de lado.
Os últimos 500 metros de caminhada, se prepare!, é uma subidinha para testar se você quer chegar, então, meu conselho é que quando você ver a placa indicando a distância não faça essa cara de vitória que eu fiz, mas sim beba um pouco de água, e se estiver cansad@, descanse um pouco antes de subir.
Ao chegar no sítio fui recebida pelo Zé Ferreira, que vem se aproximando da porteira com a mesma tranquilidade que mostrava em seus áudios, me convidou para entrar e me recebeu de um jeito manso. Ao subir a trilha eu me perguntava por que alguém morava em um lugar tão afastado, mas ao chegar lá foi muito fácil de entender, além do caminho que era lindo, o sítio é cercado pela floresta, e não só pela enorme agrofloresta dentro dele (quase 3 hectares de extensão), mas também pelas montanhas que abraçam aquele lugar e fazem o sítio parecer uma clareira, quase um segredo encontrado no meio de tanta natureza.
O Zé Ferreira
De construção há apenas uma casa, onde fica também o alojamento, banheiros, cozinha e mesas de jantar, tudo no mesmo prédio, e do outro lado há um galpão. As estruturas são de madeira e demoraram 11 anos para ficarem prontas, já que ele utilizou 99% de madeiras do local e apenas aquelas que estavam mortas, foi um processo de esperar as árvores terminarem seu ciclo naturalmente.
Nos sentamos em uma das mesas onde descansavam as sementes de mamão e a farinha de mandioca, e ali o Zé Ferreira me contou sobre sua história. Uma criança criada na roça de Pernambuco, que aos 17 anos vai trabalhar em construção civil, progride rapidamente, mas também se cansa rapidamente da cidade. Em 1987 vem para Paraty e compra um terreno no Sertão de Tapirai, na época só haviam 2 casas ali, mas o Zé Ferreira percebeu que o lugar ia crescer, vendeu seu lote e foi atrás de um terreno em que pudesse ter a calma que buscava.
A sua vinda para a roça era mais do que querer sair da cidade grande. Ele se lembrava dos momentos em que passou com seu pai, o quanto aprendeu e o quanto desfrutou da sua companhia, ele olhava para os filhos, que só conviviam as finais de semana, e percebeu que era hora de voltar as suas raízes. Este respeito pelos seus antepassados e cuidado por aqueles que o cercam, ficam nítidos em cada detalhe daquela grande agrofloresta.
Quando começou suas primeiras plantações, Paraty era uma cidade agrícola muito forte, vendia muito café e banana, e o Zé também seguia essa onda, até que a cidade perdeu espaço para Santa Catarina e os produtores acabaram passando por muitos problemas, e a grande maioria foi para o turismo, pesca ou outros trabalhos na cidade. Mas o nosso amigo não desistiu do seu projeto, com o conhecimento em construção foi para São Paulo juntar um dinheiro e em 4 meses estava preparado para recomeçar.
O Sítio São José
É aí então, por volta de 1999 que o Zé Ferreira conhece um agrônomo que lhe apresentou o conceito de agrofloresta. Juntos eles começaram a visitar outros espaços para entender melhor o conceito, e o Zé percebeu que está técnica já era muito utilizada pelos seus ancestrais. Ele então resgata suas memórias, junta com novos conhecimentos e começa a implementar em seu sítio este sistema.
Sua grande busca sempre foi viver de maneira independente, não negar a necessidade do dinheiro, mas não ser um escravo dele, e este sistema onde se planta tanta diversidade de alimentos, de uma maneira tão orgânica, veio de encontro ao que ele estava procurando.
Desde então, o Sítio São José e o Zé Ferreira começaram a se tornar referências no sistema agroflorestal, ele começa a receber grupos no espaço, mas também saí para dar consultoria, participar de movimentos e apresentar trabalhos sobre a eficácia que estava atingindo em seu espaço.
Paramos para o almoço, entramos na cozinha e ele me mostrou um armário cheio de conservas feitas com a colheita de lá. Ele pega um pote de feijão branco, um de palmito, um de jurubeba e uma farinha de mandioca (a mais cheirosa que provei na minha vida), todas colhidas e conservadas no próprio local, sem agrotóxicos, sem químicos. Um almoço simples e tão saboroso que te faz entender como a comida é algo espiritual, que se tratada com amor e carinho traz muito mais do que apenas “forrar o estômago”.
Neste meio tempo conversamos sobre a vida, sobre permacultura, agrofloresta e Princípios. Não é à toa a boa fama do Zé, você vê cada pequena coisa que o cerca o reflexo de valores firmes, raros de serem encontrados hoje em dia, a arte de transformar palavras em ações e ser congruente com aquilo que fala.
Está visita foi uma aula de autoanálise e reflexão, de força e de luta, de viver em harmonia e conjunto com a natureza. Foi mais uma amostra que tive que quando se fala em permacultura ou agrofloresta, se fala em integração, se fala em SER humano.
O quanto estamos integrados com o mundo em que vivemos?
Depois desse papo andamos um pouco por um trecho da agrofloresta onde vejo um monte de frutas que nunca havia ouvido falar. A plantação é tão grande que ficará para outra visita, então me despeço com a vontade de voltar.
A volta
Sigo pela trilha feliz e energizada, mas ainda com a bolha no pé. Para voltar é muito tranquilo, praticamente só descida. Lá embaixo encontro uma moradora, Tatiane, vamos conversando, descubro que ela é filha do Zé Ferreira e que simpatia está no sangue da família. Mais uma vez o asfalto por mais curto que seja, acaba se tornando imenso pela minha dor no pé e cansaço de um dia quente e intenso. Olho a minha carteira e descubro 2 reais escondidos e vejo que vou ter dinheiro para voltar, mas para minha grata surpresa, pego uma van que cobra os já esperados R$ 5,00, e um bom viajante sabe que cada real economizado conta lá na frente.
Volto com duas conservas na bolsa, meu troquinho encontrado na carteira, de corpo e coração nutridos, cabeça cheia de ideias e histórias para compartilhar e um convite para voltar. Vocês ainda lerão novas aventuras neste lugar!
Na van percebo o quanto foi proveitoso esta visita, que se tivesse acontecido quando eu queria, não teria a profundidade e peso que teve dessa vez, já que agora estou com um projeto também aqui em Paraty. Percebo também que minha desorganização e ansiedade trouxeram alguns pequenos estresses desnecessários, mas que no fim acabaram por criar histórias e trazer aprendizados.
Como conhecer
Existem 3 formas de conhecer o sítio
- Através de visitas diárias onde você conhecerá o espaço e ouvirá a história.
- Fazendo uma espécie de estágio pago onde você aprenderá a fazer planejamento, manejo, poda e etc. dependendo da época que estiver lá.
- Participando de um evento que acontece anualmente, e para este é preciso ficar de olho no Facebook por que é concorrido.
Para mais informações entre em contato diretamente com ele através do Facebook ou Instagram.
tenho uma casa próximo a ig. assembleia de Deus a mais de 6 anos e ainda não fui no sitio do sr José Ferreira breve irei até la.
Que legal Aldehir, é sempre muito bom conhecer as iniciativas que acontecem próximas de nós. Fortalece!!
Que máximo! Gratidão Renata por escrever algo tão rico em detalhes, eu estava procurando alguma informação sobre o Zé Ferreira e você passou todos os detalhes! Já entrei em contato com ele para conhecer esse ser tão sábio e o seu sítio que parece encantador!
Um prazer Renata, que lindo… ele e o filho dele arrasam, é mto aprendizado!! Que bom que te inspirou… s2